segunda-feira, 17 de maio de 2010

Alhos Vedros: Uma Vila com História




Contributos para um levantamento e classificação do património histórico de Alhos Vedros

Os textos que em baixo reproduzimos foram sendo publicados ao longo do tempo no blogue “Estórias de Alhos. Uma Confraria da Liberdade”, a que se pode aceder através do endereço http://estoriasdeoutrosvelhos.blogspot.com.

Conscientes que o património histórico é uma das grandes riquezas do nosso Concelho, tal como o têm revelado algumas iniciativas recentes do poder e do associativismo local, mas que em grande parte ainda se encontra em estado de semi-obscuridade, embora não sejamos especialistas na área, não queremos deixar de nos juntar aos esforços que vêm a ser desenvolvidos para lhe dar uma maior evidência.

A proximidade das Comemorações dos 500 anos de atribuição da Carta de Foral de Vila a Alhos Vedros, constitui uma excelente oportunidade para desenvolvermos estudos que nos permitam um melhor conhecimento da nossa História, dos nossos antepassados, da nossa identidade cultural. Isso nos permitirá desenvolver um mais apurado nível de consciência sobre quem somos e porque somos.

Então, aqui fica um pequeno contributo, sendo certo que outros virão, para um levantamento e classificação do nosso património histórico.

1. Qual o significado etimológico de Alhos Vedros?

“«Vedros» deriva da palavra latina «Vetus» que evoluindo através dos séculos, deu origem ao nosso vocábulo «Velho» e «Vedros». Assim, «Velhos» ou «Vedros», o significado é idêntico. Até aqui não há dúvidas!

As dificuldades surgem com a palavra «Alhos». Querem os entendidos, que tenham vindo de «Alius», também palavra latina, que significa «outro» (de muitos) em Português. Porquê então «Alius Vetus», nome dado a esta povoação?

Os historiadores têm discutido o assunto, sem contudo terem chegado a uma conclusão, por todos aceite. Seja como for, Alhos Vedros «sabe» a latim. Foi sem dúvida povoação a que os romanos deram o nome e de certo até fundada por eles, provavelmente no séc. I a.C. A sua actividade principal teria sido a exploração do sal, que faziam transportar para Roma ou utilizada na salga do peixe.(…)” (ALVES, Carlos F. Póvoa, Subsídios para a História de Alhos Vedros. Edição do autor, 1992.)

Uma certa vez em que visitámos o Professor Agostinho da Silva, que como sabemos dominava várias línguas, entre elas o latim, (também traduzia do grego e do chinês, por exemplo) e tinha formação superior em Filologia, disse-nos que o significado etimológico de Alhos Vedros é Homens Velhos…

2. O Poço Mourisco


O Poço Mourisco que jaz precisamente num pequeno jardim a que dá nome, ali para os lados da Estação dos Comboios, está a precisar de limpeza. Muito embora seja a única peça do património histórico com legenda, uma prática que devia fazer regra no Concelho, a sua leitura não é possível porque a vidraça onde ela está inscrita está cheia de merdaça.

A propósito do seu nome, "poço mourisco", alguns entendidos nestas coisas da história duvidam da sua origem árabe. Talvez tenham razão, porque não? Embora, com certeza, não seja por Alhos Vedros não ter idade suficiente para isso. Afinal os árabes estiveram por aqui não há muito tempo e, ao que parece, até existiram algumas pelejas com os cristãos que remontam ao início da formação do País. De resto, as escavações arqueológicas testemunham isso e muito mais.

Bem nítida mantém-se a milagrosa cabaça que promete dar moedas de ouro para quem a consiga partir com a cabeça. Outros símbolos, misteriosamente, lá existem nas paredes do poço com a devida explicitação na legenda. Mas parece que também se prometem alvíssaras a quem, naquele estado, conseguir interpretá-la...

3. Sobre a lenda da Sr.ª dos Anjos


“(…)Deixados, porém, os inumeráveis milagres e benefícios particulares que a Senhora dos Anjos tem obrado aos seus fiéis devotos, vamos ao principal, público e notório que fez em dia de Ramos, tão celebrado na História a tradição por ser prodígio de eterna memória em um triunfo contra os mouros no ano de 1148, pela Vitória, que os moradores desta Vila alcançaram contra os ditos infiéis; por cuja causa ainda hoje se celebra e celebrará no dito dia festas de acção de graças à Senhora dos Anjos com Missa cantada (…).

Vem a ser o caso em que tendo já conquistado Lisboa o nosso primeiro Monarca D. Afonso Henriques no ano de 1147, ficaram respirando na sua liberdade os católicos nestes distritos, que com grande prazer cumpriam com os preceitos e ofícios Divinos, ocupando ainda os Mouros as Vilas de Palmela e Sesimbra. Sucedeu logo no ano seguinte de 1148 que os ditos Mouros de Palmela e seus distritos, quiseram vir com um grande exército a vingar-se dos Cristãos para os cativar, saquear e roubar, para o que não podiam fazer melhor emprego, do que nesta Vila onde estavam muitos e lhes custar pouco a empresa por ser a terra aberta, sem muros, nem fortalezas; e não era vão o seu pensamento, senão fora a Torre fortíssima de Maria Santíssima que tinham os cristãos nesta Vila(…).

Com efeito em Dia de Ramos, do dito ano, pela manhã, vieram os Mouros à dita empresa, a tempo em que se achavam os cristãos na Igreja Matriz, nos ofícios Divinos, tendo-se já celebrado o triunfo de Cristo com os ramos e palmas bentas mas ainda com a procissão do dito triunfo, e tendo notícia deste rebate e invasão saíram logo os cavaleiros e pessoas distintas que podiam tomar armas, e o povo só armado com os ramos e palmas para seguirem a fortuna que Deus lhes quisesse dar, acompanhando os valorosos e invocando sempre por Maria Santíssima, Rainha dos Anjos, ficando a mais gente feminina e pueril na dita Igreja e adro com lágrimas e súplicas recorrendo a Maria santíssima. Eis que logo que saíram, avistaram aquela multidão de bárbaros e fazendo-lhes frente, principiando a pelejar com grande desbarato neles, reconheceram logo ou lhes pareceu que os cristãos tinham maiores forças ou estavam aparelhados com grande poder para este conflito, e com estes os rompessem, foi tal o horror e confusão que entrou nos mouros por verem a sua mortandade e maior poder dos cristãos, que cheios de pavor foram dando as costas para salvarem as vidas. Com toda a pressa fugiram para as fortalezas donde vieram.

Ó Divina que neste conflito bem mostrastes o Vosso poder e a Vossa fortaleza, com a qual os vossos filhos se defenderam e por Vossa conta tomastes o desempenho fazendo com que os moradores de Alhos Vedros, conseguissem esta vitória, tendo por bom anúncio quando saíram ao campo levarem consigo as palmas, sendo Vós a Fortaleza e dando-lhes o socorro; cada Ramo foi um triunfo, cada Palma uma Vitória.” (ALVES, Carlos F. Póvoa, Subsídios para a História de Alhos Vedros. Edição do autor, 1992.)

4. O Pelourinho

O pelourinho, monumento manuelino, é um símbolo de poder e jurisdição que Alhos Vedros tinha sobre as terras vizinhas. Isso mesmo está representado em carta de foral que o Rei D. Manuel I atribuiu a Alhos Vedros, no ano de 1514.
Nesta altura Alhos Vedros integrava em si os actuais Concelhos do Barreiro e da Moita, sendo os seus limites territoriais constituídos pelos Concelhos de Coina, Aldeia Galega (Montijo) e Palmela.

A pouco e pouco, alguns destes territórios foram-se autonomizando. Primeiro o Barreiro, em 1521 que, mais tarde, haveria de levar consigo Palhais, Telha e Lavradio. Em 1861, constitui-se o Concelho da Moita e vão também as terras que hoje designamos por Gaio, Rosário e Sarilhos Pequenos.

Refira-se que o Concelho da Moita só se consolida definitivamente, em 1898, às portas do séc. XX, por ter sido extinto em 1895, tendo Alhos Vedros, então, passado a pertencer ao Concelho do Barreiro.

Por fim, a Baixa da Banheira, o seu filho mais novo, deixa a casa paterna em 1967, desanexando-se do território de Alhos Vedros. E fiquemos por aqui que depois se contará a história dos netos, como é, por exemplo, o caso do Vale da Amoreira.

5. De El Rei D. João I a Afonso de Albuquerque, Governador da Índia


“É conhecida e muitas vezes citada a estadia de D. João I em Alhos Vedros, em 1415, pouco tempo antes da expedição a Ceuta. Segundo a “Crónica da Tomada de Ceuta” (de Gomes Eanes de Zurara), o rei de Boa Memória estava em Alhos Vedros, refugiado da peste que vitimaria sua mulher D. Filipa de Lencastre. Com ele estava o seu filho D. Afonso, conde de Barcelos.
(…)
Sabe-se que, por esse tempo, o senhor de Alhos Vedros era Gonçalo Lourenço de Gomide, que veio a falecer em 1422 e foi sepultado no Convento da Graça, em Lisboa, onde ainda se conserva o seu túmulo. De facto, o Convento da Graça tinha muitos bens em Alhos Vedros, os quais integravam a chamada Quinta da Graça.
(…)
Esse fidalgo (Gonçalo Lourenço) legou o senhorio de Alhos Vedros ao seu filho João Gonçalves de Gomide, o qual viria a ter um destino trágico. Tinha casado com D. Leonor de Albuquerque, mas cerca de 1437, num acto de loucura, matou a mulher e acabou por ser condenado à morte por degolação.
Os bens de João Gonçalves passaram para a coroa e os filhos não quiseram usar mais o nome do pai e obtiveram autorização régia para usar o apelido Albuquerque.
(…)
Um dos filhos de João Gonçalves, de nome Gonçalo de Albuquerque (que ficou com os direitos de Alhos Vedros) foi conselheiro de (rei) D. Afonso V e senhor de Vila Verde, tal como seu pai e avô, veio a casar com D. Leonor de Meneses. Deste casamento houve três filhos varões: Fernão, Luís e Afonso de Albuquerque (1462?-1515), o conhecido governador da Índia, e uma filha: Isabel de Albuquerque.
(…)
Como administrador dos bens, Afonso de Albuquerque deixou o seu filho natural Brás de Albuquerque que legitimou. Mas num 2º testamento, feito em 1515, passou para primeiro lugar na administração do vínculo D. Isabel de Albuquerque, sua irmã.

Afonso de Albuquerque faleceu nesse ano de 1515 e foi sepultado na capela do Convento da Graça, mas anos mais tarde o seu filho Brás levou as ossadas do pai para a Quinta da Bacalhoa, em Azeitão. Os Albuquerques continuaram na posse de significativos bens em Alhos Vedros(…)."
(VARGAS, José Manuel, Aspectos da História de Alhos Vedros (Séculos XIV a XVI). Edição Junta de Freguesia de Alhos Vedros, 2007.)


6. "Roteiro", a bola do Euro 2004

Sobre o Euro 2004 já todos os balanços foram feitos. Há, no entanto, uma pequenina coisa que para nós tem muita curiosidade, mas que quase passou despercebida. A “Roteiro”, nome atribuído à bola utilizada no Euro 2004, fabricada por uma famosa marca desportiva, obedecendo às mais avançadas tecnologias e às mais rigorosas exigências da UEFA, assim se designou, em homenagem a um célebre Português que se pensa tenha escrito o diário de bordo, da Viagem da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, capitaneada por Vasco da Gama, no ano de 1498. Referimo-nos ao escritor Álvaro Velho, natural do Barreiro, e cuja memória se guinda ao futuro, por exemplo, na Escola do Ensino Básico do Lavradio que se faz registada com o seu nome. "Roteiro" foi precisamente o nome que o escritor atribuiu à sua grandiosa obra.

Ora, como na altura o Barreiro era um lugar do velho Concelho de Alhos Vedros, do qual só saiu, se a memória não nos trai, no ano de 1521, em carta de foral atribuída pelo rei alcochetano D. Manuel I, isso significa que a “Roteiro”, assim se designou em homenagem a um famoso barreirense do lugar de Alhos Vedros, mas por todos nós esquecido.

7. O Velho Coreto




O velho coreto foi-nos mirando através dos anos.
Ali se dispuseram muitas bandas filarmónicas, se expuseram aliados do velho regime durante a revolução de Abril, estiveram grandes nomes da música popular (Fausto, Tino Flores...), artistas de jazz, comediantes, oradores do povo...

Ali nos empoleirámos, trepámos, corremos, brincámos, desde sempre. Sempre acompanhados pelas palmeiras centenárias, de cujas tâmaras nos alimentámos e às quais, para sacar o delicioso fruto, tantas pedradas mandámos, acabando algumas delas em lugares indesejados… As velhas palmeiras, leitos de pardais.

Restam duas das três palmeiras que existiam ali, no Jardim do Coreto, onde dando à bomba se bebia água da fonte em simultâneo, numa técnica que levou alguns anos a aprimorar. Infelizmente, para se modernizar e alcatroar a estrada que contorna o jardim, uma das palmeiras foi cortada. Que pena. Tão bem que lá ficava hoje. É verdade que já não se pode remediar o mal feito, mas ainda há espaço para se plantar uma nova (ou mais!), a substituir aquela que se perdeu. Quem tiver olhos para ver que veja, quem tiver ouvidos para ouvir que ouça.

8. O Palacete do Cais Velho







Mesmo ao lado do Moinho de Maré fica o palacete do Cais Velho, se assim o podemos chamar, imóvel adquirido em boa hora pela Autarquia, decerto com a intenção da sua recuperação que, esperamos, não demore muito tempo, porque o estado de degradação já vai avançado e será uma boa oportunidade para dar vida ao património inerte e, assim, ampliar o testemunho do nobre passado histórico que temos entre mãos e que por boas razões urge preservar.

O Moinho de Maré foi revitalizado e inaugurado no dia 25 de Abril passado, de forma a torná-lo um espaço didáctico, sobretudo para as novas gerações, dando a conhecer a importância que tais Moinhos terão tido na economia da região em tempos idos, para lá das outras valências de dinamização cultural e artística que também possui.

Sobre o dito palacete e a sua breve recuperação, constou-nos que pretende a autarquia desenvolver, finalmente, o tal espaço museológico que há tanto tempo ouvimos falar e que nos parece ter agora o espaço ideal para se instalar. Assim sendo, ficaremos então com um belo espaço alargado naquele lugar que, naturalmente, em muito enriquecerá os equipamentos públicos do Concelho e potenciará o enriquecimento cultural da população.

Bem hajam.

Luis Santos